Saga brasileira by Miriam Leitão

Saga brasileira by Miriam Leitão

Author:Miriam Leitão
Language: por
Format: epub
Publisher: Record
Published: 2011-10-07T16:00:00+00:00


O pior defeito do processo de privatização foi ser estatizado demais. O BNDES que vendia, também financiava a compra, mesmo quando compradores eram bancos. Os fundos de pensão de estatais eram disputados por todos os consórcios. Estatais compraram empresas privatizadas. Quando houve conflito entre sócios depois da venda, foi com dinheiro público que a contenda se resolveu. Foi isso o que aconteceu quando Steinbruch, da Vicunha, e Bradesco brigaram. Bradesco controlava a Vale, mas Steinbruch estava lá. Steinbruch comandava a CSN, mas a Vale estava lá. A solução era a Vale sair da CSN, e a CSN sair da Vale. Esse descruzamento das ações foi financiado pelo próprio BNDES, apesar de um dos lados ser um banco, o Bradesco. O defeito não era ser um processo “neoliberal”, era ter tanto Estado. Modiano acha ainda hoje que a presença da Vale foi fundamental, exatamente porque ela também estimulava o setor privado a participar.

Outra esquisitice da privatização brasileira: algumas empresas privadas não queriam que acontecesse. Na petroquímica, a Odebrecht preferia deixar tudo como estava. Quando, no final de 1991, Eduardo Modiano preparava a privatização das participações da Petrobras nas centrais petroquímicas, Emílio Odebrecht reclamou. Os empresários do setor diziam que “o setor não pode viver sem o Estado”. O grupo atrapalhou o que pôde a venda das participações petroquímicas da Petrobras. Numa delas, a PPH, a Odebrecht usou o poder que tinha, como acionista minoritário, e disse não à privatização. Emílio Odebrecht viajou e o principal executivo do grupo empacou.

Modiano então decidiu convencer o patriarca. Ligou diretamente para Norberto Odebrecht. Pouco antes de o velho empresário vir ao telefone, Modiano foi informado de que ele tinha acabado de fazer uma cirurgia. Constrangido, atrapalhou-se com palavras do seu cotidiano de privatizador:

— Desculpe incomodá-lo, Dr. Norberto, soube que o senhor sofreu uma siderurgia...

Cirúrgico, o empresário não registrou a troca de palavras, e deu sua palavra que tudo seria resolvido. E foi. Ele não só mandou retirar o veto à venda, como o grupo entrou no leilão e comprou a empresa.

Mas o mundo gira. No ano de 2010 tudo voltou à estaca zero. A Odebrecht comprou participação em quase todas as empresas vendidas e formou um sólido grupo empresarial, a Braskem. A Petrobras comprou participação na Braskem. Depois foi recomprando o que tinha sido privatizado. Por fim, juntas, Braskem e Petrobras compraram outras empresas e formaram um quase "monopólio na Petroquímica. Refez-se o desfeito.

A privatização teria sido feita mesmo se aquela não fosse a moda no mundo inteiro? Estou convencida de que sim. O programa tinha vários bons motivos. O Estado precisava reduzir seus gastos. Estava falido e a maioria das empresas dava prejuízo. Era preciso aumentar a competição na economia, desfazer cartéis e monopólios. Era uma boa hora para pulverizar as ações, fortalecendo o mercado de capitais. Para isso é preciso ter regras que vetem certos compradores, que incentivem a concorrência e aumentem a oferta de ações no mercado.

O pessoal da praça Quinze, que chutava traseiro de investidor, tinha mais aliados do que imaginava.



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